
Conta-se que Sócrates, filósofo grego ,
gostava de descansar a cabeça percorrendo
o centro comercial de Atenas. Quando vendedores o assediavam, ele
respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso
para ser feliz!"
O que se passa atualmente na sociedade é
uma assustadora e incontida febre de consumo que atinge praticamente todas as
camadas sociais , mesmo as menos providas de recursos excedentes , as quais
muitas das vezes se endividam e complicam sobremaneira a existência pela posse
de mercadorias que não são exatamente o
que necessitam. E não só se endividam , mas inclusive às vezes até se prestam a
procedimentos ilegais para a obtenção de todo tipo de supérfluos.
A mídia irresponsável bombardeia
incessantemente a mente das pessoas, em sua maioria despreparadas para exercer
escolhas criteriosas ; os empresários e comerciantes gananciosos servem-se de artimanhas e artifícios os mais
ardilosos e mesmo impiedosos, criando imagens de vida supostamente feliz e de
sucesso somente quando assentada sobre o excesso de coisas, de bens materiais ,
de padrões de beleza artificial, de prazeres mundanos e físicos os mais
extravagantes.
E, em meio a isso tudo, as criaturas
correm de um lado para o outro, na busca frenética para ganhar um pouco ( ou
muito) mais , cada vez mais angustiadas pelo ter , pela posse daquilo que na
véspera , ou até no mesmo dia, a televisão, a internet etc . preconizam como
último modelo disso ou daquilo absolutamente indispensável.
E assim, essas mesmas criaturas não
vivem, não percebem o raio de sol que cintila na folha úmida de uma árvore ao
passarem apressadas ; outras, encerradas em seus prédios ou carros de vidros
negros nem sequer se dão conta de que há sol do outro lado daqueles vidros que lhes escondem o mundo que pulsa e vibra lá fora . E, pior ainda, em muitos
casos, muitas dessas , quais sejam, levantam os olhos de seus celulares ,
iPhones ,iPads iEtc. para olhar
diretamente nos olhos de outra criatura, sorri-lhes, tocá-las num aperto de
mão, num abraço, muitas vezes nem mesmo daquelas que declaravam ser seus entes
queridos.
Encontramos em nossa Doutrina Espírita
farto material para nos imunizarmos contra essa pandemia - no Livro dos
Espíritos, questão 714, quando Kardec pergunta "Que pensar do homem que
procura nos excessos de toda espécie um refinamento de seu gozos", os
Espíritos superiores esclarecem: "Pobre
criatura , que devemos lastimar e não invejar porque está bem próximo da
morte !" À questão seguinte, 714a, se ele está próximo da morte física ou
moral, a resposta é: "De uma e de
outra". E o comentário de Kardec que se segue é extremamente claro e mesmo
contundente: "O homem que procura nos excessos de toda espécie um
refinamento dos gozos coloca-se abaixo
dos animais ,´porque estes sabem limitar-se à satisfação de suas
necessidades .Ele abdica da razão que Deus lhe deu como guia , e quanto maiores
forem os seus excessos, maior é o império que ele concede à sua natureza animal
sobre a espiritual. As doenças, a decadência, a morte mesmo , que são
consequência do abuso , são também a punição
da transgressão da lei de Deus".
Ainda no Livro dos Espíritos, a obra
basilar da Doutrina Espírita, na quarta parte, ao tratar do tema Felicidade e Infelicidade Relativas,
os amigos espirituais nos ensinam que,
na Terra, ainda não é possível a felicidade completa, mas que podemos abrandar
os males e ser relativamente felizes ; que, na maioria das vezes, é o homem o
artífice de sua própria infelicidade; que a medida comum de felicidade possível
a todos é : para vida material ,a posse do necessário; para a vida moral, a
consciência pura e a fé no futuro. Kardec então, conhecedor de nossos
argumentos e desculpismos , pergunta: "mas ,segundo a posição, o que seria
supérfluo para um, não se tornaria necessário para outro?' E a resposta é
taxativa : "Sim, de acordo com as vossas ideias materiais , os vossos
preconceitos, vossa ambição , e todos os vossos caprichos ridículos , para os
quais o futuro fará justiça, quando tiverdes a compreensão de verdade".
Que dizer, como pretextar seja o que for
, quando a seguir a Espiritualidade Maior ainda assevera: "os males deste mundo estão na razão das necessidades artificiais
que criais para vós mesmos (...)O mais rico é aquele que tem menos
necessidades".
E essa assertiva nos remete de volta a
Sócrates, considerado em nosso Evangelho Segundo o Espiritismo como o precursor
do Cristianismo e do Espiritismo, tal a sua envergadura espiritual e moral, ao
considerarmos com a devida atenção sua declaração acima transcrita :
"quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!" Declaração
essa de que podemos perfeitamente nos servir e, melhor ainda , colocar em
prática. Certamente seremos todos bem mais felizes, já neste mundo, aqui e
agora!
Texto de Doris
Gandres . Publicado no jornal Correio Espírita de abril de 2014.
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