Meu
filho, dito esta carta para que você saiba que estou vivo.
Quando
você me estendeu a taça envenenada que me liquidou a existência, não pensávamos
nisso.
Nem
você, nem eu.
A
idéia da morte vagueava longe de mim, porque esperava de suas mãos apenas o
remédio anestesiante para a minha enxaqueca.
Entendi
tudo, porém, quando você, transtornado, cerrou subitamente a porta e exclamou
com frieza:
-
Morre, velho!
As
convulsões que me tomavam de improviso, traumatizavam-me a cabeça...
Era
como se afiada navalha me cortasse as vísceras num braseiro de dor. Pude ainda,
no entanto, reunir minhas forças em suprema ansiedade e contemplar você, diante
de meus olhos.
Suas
palavras ressoavam-me aos ouvidos: “- morre, velho!”
Era
tudo o que você, alterado e irreconhecível, tinha agora a dizer.
Entretanto,
o amor em minha alma era o mesmo.
Tornei
à noite recuada quando o afaguei pela primeira vez.
Sua
mãezinha dormia, extenuada...
Pequenino
e tenro de encontro ao meu peito, senti em você meu próprio coração a vagir nos
braços...
E
as recordações desfilaram, sucessivas.
Você,
qual passarinho contente a abrigar-se em meu colo, o álbum de fotografias em
que sua imagem apresentava desenvolvimento gradativo em todas as posições, as
festas de aniversário e os bolos coloridos enfeitados de velas que seus lábios
miúdos apagavam sempre numa explosão de alegria... Rememorei nossa velha casa,
a princípio humilde e pobre, que o meu suor convertera em larga habitação, rica
e farta... Agoniado, recordei incidentes, desde muito esquecidos, nos quais me
observava expulsando crianças ternas e maltrapilhas do grande jardim de inverno
para que nosso lar fosse apenas seu... Reencontrei-me, trabalhando, qual
suarento animal, para que as facilidades do mundo nos atendessem as ilusões e
os caprichos...
Em
todos os quadros a se me reavivarem na lembrança, era você o grande soberano de
nosso pequeno mundo...
O
passado continuou a desdobrar-se, dentro de mim. Revisei nossa luta para que os
livros lhe modificassem a mente, o baldado esforço para que a mocidade se lhe
erigisse em alicerce nobre ao futuro... De volta às antigas preocupações que me
assaltavam, anotei-lhe, de novo, as extravagâncias contínuas, os aperitivos, os
bailes, os prazeres, as companhias desaconselháveis, a rebeldia constante e o
carro de luxo com que o presenteei num momento infeliz...
Filho
do meu coração, tudo isso revi...
Dera-lhe
todo o dinheiro que conseguira ajuntar, mas você desejava o resto.
Nas
vascas da morte, vi-o, ainda, mãos ansiosas, arrebatando-me o chaveiro para
surripiar as últimas jóias de sua mãe...Vi perfeitamente quando você empalmou o
dinheiro, que se mantinha fora de nossa conta bancária, e, porque não podia
odiá-lo, orei – talvez com fervor e sinceridade pela primeira vez – rogando a
Deus nos abençoasse e compreendendo, tardiamente, que a verdadeira felicidade
de nossos filhos reside, antes de tudo, no trabalho e na educação com que lhes
venhamos a honrar a vida.
Não
dito esta carta para acusá-lo.
Nem
de leve me passou pelo pensamento o propósito de anunciar-lhe o nome.
Você
continua sangue de meu sangue, coração de meu coração.
Muitas
vezes, ouvi dizer que há filhos criminosos, mas entendo hoje que, na maioria
das circunstâncias, há, junto deles, pais delinqüentes por acreditarem muito
mais na força do cofre que na riqueza do espírito, afogando-os, desde cedo, na
sombra da preguiça e no vício da ingratidão.
Não
venho falar, assim, unicamente a você, porque seu erro é o meu erro igualmente.
Falo também a outros pais, companheiros meus de esperança, para que se precatem contra o demônio do ouro desnecessário,
porque todo ouro desnecessário, quando não busca o conselho da caridade, é
tentação à loucura.
Há
quem diga que somente as mães sabem amar e, realmente, o regaço materno é uma
bênção do paraíso. Entretanto, meu filho, os pais também amam e, por amar
imensamente a você, dirijo-lhe a presente mensagem, afirmando-lhe estar em
prece para que a nossa falta encontre socorro e tolerância nos tribunais da
Divina Justiça, aos quais rogo me concedam, algum dia, a felicidade de tê-lo
novamente ao meu lado, por retrato vivo de meu carinho... Então nós dois
juntos, de passo acertado no trabalho e no bem, aprenderemos, enfim, como
servir ao mundo, servindo a Deus.
pelo Espírito J., Do Livro: Luz no Lar, Médium: Francisco
Cândido Xavier.
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