“[...] Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero,
esse pratico.” - Paulo de Tarso (Romanos 7:14-20)
Vamos conversar a
respeito do que pertence a nós, mas que, muitas vezes, ignoramos, porque
desconhecemos ou não lhe damos a devida importância.
Para além do revestimento
do corpo carnal da espécie humana, em nós existem instâncias desconhecidas, que
fazem parte da nossa condição espiritual. Assim, sabemos que somos Espíritos
antigos, fartos de experiências e vivências, que tanto influenciam o nosso modo
de ser.
Para viver uma nova
experiência na Terra, a alma experimenta o esquecimento, o que lhe faculta a
oportunidade de sempre recomeçar. Entretanto, esquecer não é apagar. Todas as
vivências se encontram descritas na alma, que é multimilenar e eterna.
Tais conteúdos se alojam
em nosso porão consciencial, definido pelas ciências psicológicas como
inconsciente. Freud foi quem primeiro trouxe a lume essa dimensão da
interioridade.
Algumas lembranças
atravessam as barreiras desses porões e visitam o ser durante a sua estadia
terrena. Assim, temos conteúdos esclarecedores, por intermédio dos sonhos, das
ligações, diante das escolhas, das projeções nas relações interpessoais. Esses
conteúdos passeiam cotidianamente pela realidade da consciência, interferindo
no modo de ser e de viver humanos.
Outra possibilidade de
interferência na percepção vivencial acontece por meio das ideias e
condicionamentos que a alma se sujeita na estadia terrena. A criança, quando
nasce, não tem consciência de sua condição humano-espiritual. À medida que
cresce, desenvolve-se e convive com seus pares, oportunidade em que se forma o
Eu (Ego), uma dimensão identitária, gestada à luz dos seus espelhos humanos
(pais, cuidadores, ambientes socializadores).
Ao chegar à Terra a
mochila infantil veio vazia. Não há lembranças, visto que o véu do esquecimento
as cobriu. Não há experiências, não há sentimentos, não há crenças nem valores.
É justamente a Terra, em sua condição de mundo que circunda a alma, que fornece
todo o arcabouço cultural, social e moral. Embora alguns conteúdos sejam de
grande relevância ao desenvolvimento do pequeno ente, nem tudo que se coloca na
pequenina bolsa terá serventia ao seu crescimento e desenvolvimento. Logo, um montante
dos valores e crenças se transforma em uma carga obscura, em uma parte
pertencente ao ser, porém por ele desconhecida, a que chamaremos de
sombra.
A sombra é o lado
obscuro, o lado oculto e sombrio da nossa personalidade. Segundo Jung, ela
abriga os instintos animais que herdamos das espécies primitivas, ao longo de
eras. Acolhe ideias, desejos, tendências, memórias e experiências reprimidas ou
ocultadas, por serem incompatíveis com os padrões sociais ou os porões que
impomos a nós mesmos. Ela contém o que consideramos inferior, aquilo que
negligenciamos e aquilo que queremos ocultar ou negar.
Embora não aceita, a
sombra é parte intrínseca do reencarnante. Uma miscelânea de experiências,
adormecidas no inconsciente, a refletir os compostos materiais frutos das
experiências e aquisições valorativas. Conteúdos nem sempre aceitos
socialmente, mas necessários ao entendimento do Ser integral.
Assim, não se separa o
que é bom do que é considerado mal. A dualidade humana é contraditória. É
preciso compreender a lama, integralmente, isto é, com toda a sua bagagem
existencial, sem o julgamento valorativo, mas dando a oportunidade para que, em
potência, tudo possa ser visto, compreendido e sentido.
Uma das recomendações de
Jesus era: “Conhecereis a verdade e a verdade o libertará”. Conhecer quem é, o
que pensa, quais são suas atitudes e o que fazer com tudo isso é o primeiro
passo para aqueles que pretendem, amigavelmente, direcionar suas
potencialidades para o crescimento e a evolução.
Siga você. Ande de mãos
dadas com as suas construções. Direcione-as a seu favor e daqueles que coabitam
com você. A sombra não foi feita para ser eliminada. Na realidade, ela só
existe em virtude da presença da luz. Não há sombra na escuridão. Somente
quando o clarão acende, é possível ver por detrás da imagem.
Olhe no espelho. O que
vê? – Você-sombra-luz, coexistindo!
Fernanda Leite Bião
Para conhecer mais:
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia
Pinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
OLIVEIRA, Wanderley S. Laços de afeto: ditado pelo Espírito de Ermance Dufaux.
Belo Horizonte: Dufaux, 2001.
SPITZNER, Ana Paula et al. Iluminando o lado sombra com recursos transpessoais.
2011. 41 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Instituto Humanitatis de Formação
em Transpessoal, Curso de Formação em Psicologia Transpessoal Aplicada,
Campinas. Disponível em: .
Acesso em: 13 dez. 2013.