“Ao ver a Terra do espaço,
não há como duvidar da existência de algo maior que nós’
Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro,
participou, em novembro, em São Paulo (SP), do 3º Encontro Espírita da Família,
que teve por tema Respeito às Diferenças. Organizado pela União das Sociedades
Espíritas (USE) Centro, Liga Espírita do Estado de São Paulo, Federação
Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e Aliança Regional Centro, o evento
teve a coordenação de Marília de Castro, também coordenadora do Comitê Estadual
São Paulo da Campanha Brasil a Favor da Vida – Contra o Aborto.
Em sua palestra, Pontes
contou como aconteceu sua seleção para que se tornasse astronauta, todo o
trabalho, o treinamento e sua viagem ao espaço. Mas, seu principal enfoque foi
o respeito às diferenças. De religião católica, Pontes contou que, no espaço,
Jeffrey Williams, astronauta americano de religião protestante, e Pavel
Vinogradov, cosmonauta russo de religião católica ortodoxa, compartilharam uma
foto de Jesus, levada por Pontes, uma cruz ortodoxa, levada por Pavel, e a
Bíblia, levada por Jeffrey. Para ele, independentemente da religião, devemos
saber conviver com as diferenças, respeitar uns aos outros e, acima de tudo, a
criatura que construiu todo nosso planeta e o universo. Em entrevista à Folha
Espírita, ele disse, entre outras coisas, que “ao ver a Terra do espaço, não há
como duvidar da existência de algo muito maior que nós”.
Folha Espírita – Você é espírita?
Marcos Pontes – Não, sou católico.
Mas a minha mãe era espírita e, logo depois que eu nasci, fui conhecer primeiro
o centro espírita. Depois fui batizado na Igreja Católica.
FE – Qual a importância que a religião
teve e tem na sua vida?
Pontes – Acredito muito na religião
como uma coisa que inspira. Acho que ela é uma coisa que você não precisa
mostrar para as outras pessoas, mas, sim, para você mesmo. É algo que fica
dentro de você, que direciona, principalmente nos momentos difíceis da vida.
Nos momentos fáceis, parece que você vai indo, como na linguagem do aviador
“sem motor”. Não tem problema. Mas na hora que você precisa “dar motor” para
subir, para corrigir alguma coisa, você precisa “ter um norte”, uma direção
para ir. Então, acho que aí é que entra a religião.
FE – A visão da Terra lá do espaço mudou
alguma coisa no seu conceito de mundo, de religião, os seus valores?
Pontes – Sem dúvida. Acho que isso muda em todas as pessoas que vêem a
Terra do seu lado de fora. É uma conseqüência natural, porque você vê este
planeta e tem a consciência exata do seu tamanho perante o planeta. E também
toma consciência do seu tamanho, mais reduzido ainda, perante o universo. Você
não vê diferenças no planeta. O planeta é um só, uma coisa viva, que nos
sustenta. O seu conceito de individualidade dá lugar a um conceito de
coletividade. Você passa a pensar assim: “Eu faço parte de uma coisa muito
maior.” Então, quando você se sente pequenininho diante do planeta, diante o
universo, o fato de ser parte de uma coisa muito maior o consola. Você é parte
deste universo. E como parte do universo você não é pequeno, você é do tamanho
do universo também. Essa idéia, esse conceito, dá, no final das contas, uma
felicidade muito grande, e quando você volta de lá, volta pensando não em
coisas mesquinhas, coisas pequenas, coisas que você pode resolver, briguinhas
que você resolve, ou não resolve, porque essas coisinhas não vão fazer
diferença.
FE – O que importa na volta do espaço?
Pontes – O que importa é daqui a 100 anos. Você começa a pensar o que pode
fazer hoje de bom para que daqui a 100 anos as pessoas tenham alguma coisa boa
a partir das suas idéias. Porque as idéias são as únicas coisas que ficam. Você
dura, no máximo, se viver muito, uns 100 anos. Depois disso ficam só as idéias.
Se você deixou idéias ruins, coisas ruins, isso é o que vai ficar de você
depois. Se você deixou coisas boas, deixou idéias boas, isso vai ser o que você
é para as pessoas. Se você não tem certeza que Deus existe, quando você olha
este universo todo, da maneira como as coisas são organizadas, você passa a ter
certeza que faz parte disso. Outra coisa é a noção de paz. Nosso planeta tem
várias cores. Todo mundo fala que a Terra é azul, né? Pois ela tem várias cores
diferentes. Todas elas se misturam. E a beleza que ela tem é justamente dessa
mistura de cores. Imagine se ela fosse só azul, exatamente azul. Monótono, né?
Não teria graça, não seria tão bonita! É exatamente o que acontece com as
pessoas. O que faz a coisa boa é que as pessoas são diferentes. É essa mistura
toda que dá uma coisa tão bonita.
FE – Você vem de uma família que tem
diferenças religiosas. Como foi o seu desenvolvimento com essas diferenças?
Pontes – Perfeitamente harmônico. Eu acho que religião nunca poderia ser
usada como elemento de discriminação ou de diferenciação entre povos, entre
pessoas e até mesmo entre a própria família. Acho que todas as religiões têm um
ponto em comum que é o bem que as pessoas fazem. Não vejo nenhuma religião com
o caráter essencialmente intrínseco de maldade, uma coisa ruim. O que acontece
muitas vezes é que as pessoas fazem um estereótipo, ou fazem algum tipo de
idéia de religião. Você fala no muçulmano e as pessoas já pensam em alguém que
explode coisas. Não. Não é isso de jeito nenhum. A religião muçulmana tem muita
coisa bonita. O Alcorão tem muitas lições. E se você for ver, de uma maneira
estranha, que eu não sei explicar o quanto, a Bíblia, o Alcorão, o Evangelho
Segundo o Espiritismo, o Livro dos Budistas, todos eles têm uma conexão, pregam
que existe um ser maior que coordena tudo. As coisas que saem a partir desses
livros são coisas boas, que dão direção correta na vida das pessoas. As
interpretações é que são, muitas vezes, erradas. A culpa da interpretação não é
das religiões, e sim das pessoas, que as interpretam para o seu bem ou para o
mal. Na minha família, tínhamos diferenças, mas uma completa harmonia em
atitude. As coisas sempre andaram muito bem.
FE – Como foi a convivência no espaço
com os outros dois cosmonautas?
Pontes – Nós conversávamos muito sobre tudo. Uma tripulação tem de ser
muito coesa. Se você for ver bem, são três pessoas em uma situação na qual um
depende do outro. Literalmente, dependiam as nossas vidas. Se o Jeffrey
errasse, eu morreria. Se eu errasse, o Jeffrey e o Pavel também morreriam. Você
tem de confiar muito na outra pessoa. Era como se fôssemos três irmãos o tempo
todo. O mais interessante: éramos três religiões distintas. Eu, católico. O
Jeffrey, protestante. E o Pavel, católico ortodoxo. Três religiões diferentes,
mas, naqueles instantes, o que a gente quer é só o bem dos três. A estação
espacial tem esse contexto. São 16 países diferentes participando de um
trabalho para a humanidade.
FE – Quais os planos para o futuro?
Pontes – Tenho muitos planos. Vivo com planos na cabeça e corro atrás de
realizá-los. Atualmente, depois do vôo, continuo no Programa da Estação
Espacial Internacional, coordenado pela Agência Espacial Brasileira. Faço a
minha parte, assessorando a agência em alguns contatos com a NASA. Assessoro
também o Senai e a Fiesp em São Paulo, que fabricam os protótipos das peças
brasileiras. Atualmente, estou começando num projeto VLS (veículo lançador de
satélite) lá em São José dos Campos (SP). Tenho trabalhado também na área de
coordenação de cooperações. É uma atribuição que o Comando da Aeronáutica me
deu quando me passou para a reserva. Essa passagem para a reserva foi pensada
pelo Comando da Aeronáutica. Se eu ficasse dentro da ativa, ficaria sempre
restrito aos regulamentos militares. Então, o comandante preferiu ter um
astronauta que represente o Comando da Aeronáutica, o Brasil, as indústrias e
tudo o mais para ajustar esse cenário de pesquisas, desenvolvimento e produção
de tecnologia. Atualmente, minha atribuição é aproximar esses dois setores e
conseguir, com isso, ter mais produtos, mais rapidez, não ter atrasos. E, para
isso, preciso conversar com políticos, com as indústrias, no exterior.
FE – Você também desenvolve trabalhos na
área social, certo?
Pontes – Sim. Na área social tem um monte de coisas. Temos o Projeto
Realizar, que tem a idéia de motivar jovens do Brasil inteiro para as carreiras
de Ciência e Tecnologia e também para motivar para a vida mesmo. Em novembro,
completamos 650 palestras para jovens. E é muito importante, porque você vê em
vários lugares as crianças e adolescentes desanimados porque não têm recursos
financeiros, não têm dinheiro e acham que nunca vão conseguir chegar a lugar
algum. A própria sociedade impõe limites para esses jovens. E, na verdade, eles
não têm limitações. Com a palestra, vou quebrando todas essas restrições. O meu
trabalho, muitas vezes, é vir com uma marreta e quebrar todas essas limitações.
É falar “olha, você está livre, agora você vai para onde você quiser. Se você
estudar, vai ter um caminho muito bom pela frente. E você pode ser o que
quiser”.
Entrevista: Marcos Pontes, o astronauta brasileiro
Fabiana Ganci
Publicado na Folha Espírita - dezembro/2006