VISÃO
ESPÍRITA DE UMA SOPA FRATERNA
Saímos
do sanatório depois de trabalhos intensos. Nosso companheiro Ildeu nos falou
animado:
-
Depois de trabalho cansativo, nada melhor que restaurar nossas forças dentro de
outro trabalho. Daí surgiu-nos a ideia de irmos ao trabalho da sopa fraterna.
Podemos
garantir que ficamos deslumbrados quando atingimos
a área
do dito trabalho. Como um pequeno sol, brilhava a grande área
que circundava o recinto. O pequeno foco de luz, ao invés
de se atirar para baixo, ia ganhando alturas. Melodias de estranha singeleza
encantavam-nos. Ficamos sensibilizados; tudo parecia amor, paz enfim na Terra.
Entramos
acanhados. O dirigente responsável pela sopa, no plano dos espíritos, era
Mariano que nos recebeu com satisfação, vindo ao nosso encontro sorridente e,
vendo o nosso espanto diante do ambiente tão puro no orbe terráqueo, nos
dirigiu a palavra carinhosamente:
-
Sejam bem-vindos ao restaurante de Jesus, onde o cardápio nos aponta o amor
como prato favorito da casa!
A
palavra de Mariano nos deixou descontraídos e, daí por diante, sentimo-nos como
componentes da tarefa tão valiosa.
Os
irmãos desencarnados eram em número bem maior que os encarnados, mas
admirávamos o bom comportamento de todos. A qualidade do ambiente não permitia
que espíritos, por mais brincalhões que fossem, conseguissem penetrar na mente
dos nossos irmãos encarnados com suas rusgas e seus dissabores, porque ali se
misturava a boa vontade com amor; cada um buscando dar algo de si sem
concorrência de ser melhor do que o outro; todos trabalhavam com a mesma
intenção: servir sem ser bajulado, sem ser querido, sem recompensas inferiores.
Muitos
desencarnados se abeiravam do fogão aceso para agradecer em prece aquelas mãos
ainda no corpo da carne, trabalhando para mais tarde ofertar a sopa da amizade.
Eram
companheiros que tinham ali familiares encarnados, usufruindo daquela
alimentação que trazia como símbolo a imagem viva de Jesus dizendo que
agradeceria sempre àqueles que fizessem algo por alguém, lembrando que era à
Ele que estariam fazendo.
Emoção,
ternura, encanto, enfim,
estávamos nos refazendo naquele ambiente onde, por mais que quiséssemos dar, só
poderíamos receber.
-
Críticas vêm de todos os lados, Adelino: muitos não aceitam esta comunhão que
fazemos através da sopa amiga, alegando que tratamos de incentivar os outros a
preguiça a ao comodismo, mas não é isso que vemos. Aqui aprendemos a aumentar o
nosso número familiar, são irmãos que vão chegando e entrando em nossos
corações para sempre.
Do
mesmo modo que os encarnados recebem as nossas mensagens e nos pedem a
presença, nós pedimos a presença deles quando nos cativam com a mensagem do
trabalho que beneficia. Esta sopa é a comunhão das almas que aqui se encontram,
unindo-se e fortificando-se.
Mariano,
de uma bondade a toda prova, continuou:
-
Companheiros, vou deixá-los por alguns minutos, fiquem à vontade porque a casa
é de Jesus, é porque ela é de todos!
Daí
a pouco fomos convidados a entrar até a cozinha, onde um aparelho muito
parecido com o vosso exaustor puxava o vapor que ia subindo, formando um
líquido de espessura mais firme que o gás liquefeito e passava por diversos
filtros do aparelho até ganhar a torneira que, aberta, deixava cair sobre copo
limpo, o líquido amarelo que nos era oferecido. Bebemos e, podem acreditar,
sentimos o gosto da sopa e logo após estávamos nos sentindo como se
estivéssemos ingerindo fortificante de ação imediata.
Após
desfrutarmos do líquido precioso da sopa, Ildeu advertiu:
-
Adelino, precisamos procurar Mariano e ofertar-lhe nossas mãos para o trabalho.
-
Tens razão, vamos até o galpão, lá o encontraremos.
Quando
saímos à porta da pequena cozinha, a nossa alegria foi aumentada, estava a
poucos metros de nós a figura sempre benfazeja de Eurípedes.
Mariano,
com o sorriso costumeiro, veio até nós e disse:
-
Como estão se sentindo? Maravilhosamente, respondeu Ildeu, tomando a palavra, -
depois de tomarmos o líquido restaurador feito por mãos generosas, não
podíamos, de forma alguma, estar melhor.
Enquanto
Ildeu continuava a palestra com Mariano, meus olhos vigiavam atentos a figura
de Eurípedes. Naquele instante, o profeta de Sacramento abraçava carinhosamente
uma companheira que começava a servir o primeiro prato de sopa. Cheguei bem
perto com a cautela de não ser notado. O sorriso da irmã aumentava conforme
Eurípedes lhe abraçava, quando o ouvi dizer baixinho:
-
Deus te abençoe, e beijou a destra da irmã de boa vontade.
Um
jato de luz brilhante envolvia a figura encarnada e do dito mentor.
Afastei-me
sem coragem de cumprimentá-lo e voltei até Mariano.
-
Como é Adelino, disse-me o bondoso artista da caridade, vamos fazer nossa
parte? Os encarnados já estão na ativa. Vamos lá, disse lldeu, animadamente,
quanto mais trabalho, mais chance de usufruir novamente deste contato amigo e
desta deliciosa sopa.
-
Mariano, tomei a liberdade, será que poderei trocar algumas palavras com
Eurípedes?
-
Poderá sim, Adelino, mas depois que fizermos a nossa tarefa; meu sobrinho,
sistematicamente, gosta de trabalhar dentro da harmonia do silêncio e eu não
vou contrariá-lo. Mais tarde conversaremos com ele. Vamos à batalha?
Começamos
a ajudar a equipe de espíritos que trabalhavam junto aos nossos amigos
encarnados. Vocês nem podem imaginar o trabalho que dá uma sopa para os
espíritos que são destinados à tarefa da mesma. Imaginamos um trabalho de
desobsessão, o trabalho de passes, a fluidificação
da água,
as inspirações
nas palestras edificantes, multipliquem isto por mais alguma coisa e chegarão
mais ou menos a conclusão do que seja um trabalho deste teor.
Não
queremos dizer que os trabalhos citados sejam de menos importância, jogados a
coisas secundárias, mas o trabalho da sopa é “convivência direta com Jesus”, é
a caridade lógica; você consegue se pôr nas condições dos outros, consegue por
alguns minutos sentir a pureza da vida que levaram os grandes apóstolos junto
ao povo oprimido da época.
É a
sensação de sermos muitos, dentro de um somente.
O
aparelho, conhecido por nós como “eletroponto”, indicava o índice de
aproveitamento de cada um na tarefa da sopa. As radiofotos já eram encaminhadas
junto a outros documentos a serem enviados ao arquivo dos planos superiores.
Estas radiofotos eram pedidos e necessidades encontradas para os que pediam
urgência de solução.
Chegávamos
ao final do trabalho abençoado da sopa; Mariano reuniu-se à porta da pequena
cozinha para que acompanhássemos a prece que iriam proferir nossos irmãos
encarnados.
Eurípedes,
ainda em silencio absoluto, abeirou-se de nós, cumprimentando-nos apenas com o
aceno da cabeça. A prece, feita pelo irmão encarnado, era de agradecimento a
Jesus pela oportunidade do trabalho e nos tocava o sentimento numa profundeza
que chegava a nos emocionar.
Final
do trabalho: alegria, despedidas, abraços entre os nossos amigos, no campo da
batalha material. A hora era de grande emoção para mim e Ildeu; esperávamos a
ordem de Mariano para podermos ouvir a voz da figura tão falada e discutida de
Eurípedes. Mariano pedia que continuássemos em silencio, para que toda a área
que circundava a casa da sopa fosse inspecionada para que nossos amigos
trabalhadores regressassem ao lar sem atritos com o plano dos desequilibrados.
Após alguns minutos, Mariano nos acordava do sono profundo da prece que nos
levava a campos diferentes.
Viva
Jesus! Disse o bondoso amigo.
Daí
por diante os abraços partiram de nós e começávamos a trocar ideias,
esperançosos de ouvir a manifestação de Eurípedes. O apóstolo de Sacramento
abraçou Mariano e disse convicto:
-
Deste trabalho nasce mais uma esperança na arrancada para a felicidade de
todos, pois aqui, confraternizamos encarnados e desencarnados. Encontramos
entre abraços, o sentido da verdadeira amizade que nos une. Pelo trabalho que
explode a mina do orgulho que está dentro de nós e abre uma vala, onde a chama
do amor forma o vulcão do desafio, pois o Cristo não veio trazer a paz e sim a
espada.
Dentro
de um trabalho como este começamos a guerra, o conflito contra a usura, a
preguiça e o esquecimento do dever.
Aqui,
nesta Casa Fraterna encontramos a simplicidade do bom cristão, a sabedoria
daquele que sabe doar. Doar o tempo, doar amor, servir sem esperar um busto em
praça pública, servir pensando em servir mais.
Notei
que Ildeu estava encantado e, sinceramente, não conseguia falar nada; queria
perguntar, queria saber mais alguma coisa, mas a coragem de interrompê-lo lhe
faltava. Eurípedes continuou:
-
Amigos, nunca nos esqueçamos de dar nosso apoio aos amigos que ainda usam o
vestuário da carne em trabalho de tão grande alcance espiritual como este. Aqui
nada trouxemos, daqui levaremos algo precioso para ser arquivado em planos mais
altos. Trabalho e perseverança no bem é a meta. Vamos pedir a Deus que estes
companheiros não abandonam esta tarefa de servir, porque são poucos os que já
acordaram dos sonhos e das ilusões passageiras. Quanto tempo? Quantos séculos
apanhamos? Não sabemos, mas de tanto apanhar, um dia acordaremos para a
realidade da Vida Eterna. Jesus está nos convidando para sua grande festa e nós
vamos perder o banquete. A festa é de trabalho e compreensão. Jesus está conosco,
não vacilemos. Ele nos espera e tem pressa que cheguemos a Ele.
Após
pequena pausa. Eurípedes dirigiu-nos a palavra:
-
Perdoem-me se não vim cumprimentá-los antes, é que gosto de trabalhar com o
silêncio. Ele costuma nos dizer muita coisa. Jesus abençoe a todos vocês e
quando houver outras festas como esta, nós nos encontraremos. Adeus, e vão com
alegria procurando mais serviço.
Ildeu
olhou-me, agradeceu a Mariano, pegou-me pela mão e disse-me:
-
Adelino, acorde, a festa acabou, é hora de irmos, precisamos pegar, o mais
rápido possível, outras tarefas que nos trarão mais alegrias como estas.
Adelino
D. 'Carvalho ✍
Página recebida pelo Médium
Celso de Almeida Afonso, no Departamento de Assistência Social “Mariano da
Cunha Junior”, do Centro Espírita Aurélio Agostinho, no dia 12-06-79, em
Uberaba – MG
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