Quando
resolveu contar histórias para crianças em hospitais, como voluntário da
associação Viva e deixe viver, aquele desembargador teve de superar a si mesmo.
No dia
escolhido para seu turno, na ala de queimados de um grande hospital de São
Paulo, ele colocou seu nariz de palhaço, ajeitou seu avental colorido e
enfrentou a forte visão das crianças com queimaduras.
Foi um
grande choque. Porém, em poucos minutos, ele já estava solto.
Sabia
que sua maneira de exercitar a compaixão ali era dar alegria a quem estava
mergulhado no sofrimento.
O que
ele não podia, naquele momento, era sentir dó, piedade, peninha. Por isso riu e
arrancou muitos sorrisos, com as histórias que contou.
Foi um
verdadeiro sucesso. Quando estava quase saindo, sentiu um puxão no seu avental.
Era um menino de uns cinco anos, com o rosto quase totalmente envolto por
bandagens e esparadrapos.
O
garoto fez um sinal para o desembargador se inclinar e disse bem baixinho no
seu ouvido: Tio, pode não parecer, mas eu estou rindo...
Aí não
teve jeito, algo se desmanchouem seu coração. Percebeu que ele se tornou mais
terno, mais terno, e perdeu um pouco sua carapaça habitual de dureza.
Como
não preenchê-lo de amor por aquela criança vivendo condições tão difíceis?
* * *
O
sentimento da compaixão é mesmo um transbordamento amoroso. Como as lágrimas,
que rolam dos olhos por causa da emoção, ela transborda diretamente do coração,
só que em direção ao mundo.
Quando
sentimos pena, olhamos de cima para baixo, evitando o envolvimento com a
situação ou com o outro.
Quando
vivemos a compaixão, olhamos de lado, de dentro e nos sentimos responsáveis,
comprometidos com o outro.
A
verdadeira compaixão tem por base o raciocínio de que todo ser humano tem o
desejo inato de ser feliz e de superar o sofrimento, exatamente como nós.
E,
exatamente como nós, o outro tem o direito de realizar essa aspiração
fundamental.
O
filósofo André Comte Sponville esclarece que compartilhar o sofrimento do outro
não é aprová-lo nem compartilhar suas razões, boas ou más, para sofrer.
É
recusar-se a considerar um sofrimento, qualquer que seja, como um fato
indiferente. E um ser vivo, qualquer que seja, como coisa.
Os
grandes missionários da Terra, aqueles que se dedicaram ao próximo de forma
intensa, foram grandes exemplos dessa compaixão, pois não cederam à
indiferença.
Não
suportaram ver o sofrimento alheio sem fazer nada a respeito e se atiraram a
tarefas grandiosas de abnegação e coragem pelo mundo.
A
compaixão é dinâmica, atuante e vibrante.
Eis
mais uma virtude que podemos aprender. Mais um tesouro escondido na alma que
precisa ser descoberto.
* * *
Deixai
que o vosso coração se enterneça ante o espetáculo das misérias e dos sofrimentos
dos vossos semelhantes.
Vossas
lágrimas são um bálsamo que lhes derramais nas feridas e, quando, por bondosa
simpatia, chegais a lhes proporcionar a esperança e a resignação, que encanto
não experimentais!
Redação do
Momento Espírita, com base em matéria de autoria de Liane Alves, da revista Vida
simples, de novembro de 2007 e no cap. Compaixão, do livro Pequeno tratado das
grandes virtudes, de André Comte Sponville, ed. Martins Fontes
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