O ORGULHO
DISSERTAÇÃO
MORAL DITADA POR SÃO LUIZ À SENHORIA ERMANCE DUFAUX
I
Um
homem soberbo possuía alguns hectares de boa terra; sentia-se envaidecido pelas
grandes espigas que cobriam o seu campo e olhava com desdém o campo estéril do
humilde. Este se levantava ao cantar do galo e permanecia o dia todo curvado
sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente os eixos e os lançava à beira do
caminho; revolvia profundamente a terra e arrancava com dificuldade os
espinheiros que a cobriam. Ora, seu suor fecundou o campo e ele colheu o melhor
trigo.
Entretanto,
o joio crescia no campo do homem soberbo e sufocava o trigo, enquanto o dono se
vangloriava de sua fecundidade, olhando com ar de piedade os esforços
silenciosos do humilde.
Em
verdade vos digo que o orgulhoso é semelhante ao joio que abafa o bom grão.
Aquele dentre vós que acredita valer mais que seu irmão e que disso se
vangloria, é insensato; sábio, porém, é o que trabalha por si mesmo, como o
humilde em seu campo, sem se envaidecer de sua obra.
II
Havia um homem
rico e poderoso que desfrutava o poder do príncipe; morava em palácios, e
numerosos serviçais esmeravam-se por lhe adivinhar os desejos.
Um dia suas
matilhas acossavam os cervos nas profundezas da floresta quando percebeu um
pobre lenhador que caminhava com muita dificuldade, sob o peso de um feixe de
lenha. Chamou-o e disse-lhe:
- Vil escravo!
Por que passas teu caminho sem te inclinares diante de mim? Sou igual aos
senhores da terra: nos conselhos minha voz decide a paz ou a guerra, e os
maiorais do reino curvam-se em minha presença. Fica sabendo que sou sábio entre
os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes, e minha
posição elevada é obra de minhas mãos,
- Senhor! - Respondeu
o pobre homem- temi que minha humilde saudação fosse uma ofensa para vós. Sou
pobre e não possuo outro bem senão meus braços; mesmo assim, não desejo vossas
grandezas enganosas. Durmo a sono solto e não receio, como vós, que o prazer do
mestre me faça cair em minha obscuridade.
Ora, o
príncipe se aborreceu com o orgulho do soberbo; os grandes humilhados
apoderaram-se dele e o precipitaram das culminâncias de seu poder, como a folha
seca que o vento varre do alto de uma montanha; mas o humilde continuou
tranquilamente seu rude trabalho, sem se preocupar com o dia seguinte.
III
Soberbo,
humilha-te, porquanto a mão do Senhor dobrará teu orgulho até que se reduza a
pó!
Escuta!
Nasceste onde te lançou a sorte; saíste do seio de tua mãe, fraco e despido
como o último dos homens. Por que elevas mais alto a fronte do que os teus
semelhantes, tu que, como eles, nasceste para a dor e para a morte?
Ouve! Tuas
riquezas e tuas grandezas, vaidade das vaidades, escaparão de tuas mãos quando
vier o Grande Dia, como as águas errantes da torrente que o sol faz evaporar.
De tuas riquezas só levarás contigo as tábuas do caixa; e os títulos gravados
na lápide sepulcral serão palavras vazias de sentido.
Escuta! O cão
do coveiro brincará com teus ossos, e eles serão misturados aos dos indigentes,
confundindo-se tuas cinzas com as deles, porque um dia ambos sereis reduzidos a
pó. Amaldiçoarás, então, os dons que recebeste, quando vires o mendigo
revestido na sua gloria, e chorarás o teu orgulho.
Humilha-te,
soberbo, porquanto a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó.
***
-
Por que São Luís nos fala em parábolas?
Resp.
– O Espírito humano ama o mistério; a lição se grava melhor no coração quando a
procuramos.
-
Não parece que atualmente a instrução nos deva ser dada de maneira mais direta,
sem que precisemos recorrer à alegoria?
Resp.
– Encontrá-la-eis no desenvolvimento. Desejo ser lido, e a moral necessita ser
disfarçada sob a atração do prazer.
Revista Espírita – maio de 1868 – pág. 208 a 210 – Allan Kardec
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