LIÇÃO
NUMA CARTA
Ao lado
de João Firpo, desencarnado ao impacto do fogo que lhe devorara a casa velha,
numa noite de expiação e de assombro, estava a carta, datada por ele quatro
dias antes, endereçada a um irmão e que o morto evidentemente deitaria ao
correio, na primeira oportunidade.
Enquanto
bombeiros improvisados lhe retiravam o corpo inerte e benfeitores da Vida Maior
lhe amparavam o Espírito liberto em doloroso trauma, copiei a curiosa missiva
que revoava nas cinzas da tragédia, a fim de transmiti-la, com objetivos de
estudo e meditação, aos companheiros do mundo.
Eis,
assim, na íntegra, o valioso documento:
Meu caro Didito:
Espero que estas linhas encontrem você com
saúde e paz, junto dos nossos.
Graças a Deus, estou bem. Você se afligiu
à-toa com a notícia de meu resfriado. Tudo não passou de um defluxo de
brincadeira. Estou mais forte que a peroba do Brejo Grande, comendo por quatro caboclos
na roça. Seja velho quem quiser. Com os meus sessenta e sete janeiros, não
passo sem banho no rio e tutu no prato. Moro sozinho porque não nasci para
confusão. Dona Belinha vem diariamente fazer-me as refeições, assear a casa e
isso chega.
Sobre o caso do sonho que você teve comigo,
conforme seu conselho fui à reunião espírita no sítio do Totonho. A mulher dele
é médium de verdade. Há muito tempo eu não assistia a uma incorporação tão
perfeita. Realmente, mãe falou por ela. Não tenho dúvida. Aquela voz boa e
cansada que nós dois não esquecemos. Coitada de mãe! Está preocupada comigo,
não sei porquê. Falou muito sobre a morte, coisa em que não penso. Fiz todos os
exames de saúde que o médico recomendou, no mês passado, e tudo deu certo.
Positivo. Por outro lado, não viajo. Porque será que a velha mostrou medo de
que eu venha a bater a pacuera, de um momento para outro?
Imagine que ela abortou um segredo. Disse
coisa séria quanto ao dinheiro que venho guardando para a formação do nosso lar
de velhinhos, compromisso antigo. Avalie você que mãe conversou, conversou e,
depois, me pediu empregar enorme importância na compra do terreno para a obra,
aconselhando-me colocar a parte restante com amigos responsáveis para o custeio
na construção. Considere o meu aperto. Que é que há? Não é fácil entregar assim
de mão beijada quase todas as minhas economias de trinta anos. Concordo com a
providência, pois temos nosso projeto e promessa há mais de vinte anos. Não
negarei os cobres, mas preciso de um mês para pensar. Terrenos e amigos já
estão apalavrados, desde o nosso encontro aqui, há tempos, mas dinheiro, meu
caro!... Não posso aceitar o negócio, assim do pé para a mão. Você sabe que a
velha sempre foi aflita. Quando queria uma coisa, queria mesmo. Tenho
conservado minhas economias com cautela. Não confio em bancos e em mãos dos
outros, a grana começa prometendo bons juros e depois cria pernas para correr e
cair no buraco. É impossível tratar de problema assim tão grave, sem prazo para
refletir. Disse mãe que já tive muito tempo para resolver, mas eu não acho.
Comunico a você que não recusarei a doação; entretanto, o assunto não é sangria
desatada. No mês que vem, cuidaremos de tudo.
Sem mais, venha, logo que possa, comer de
nosso feijão bravo e receba um abração do mano.
Firpo
Esta era
a carta que o rico desencarnado tinha escrito e aguardava ensejo para mandar.
O Plano
Espiritual lhe havia dado, cinco dias antes, em aviso urgente para a felicidade
dele próprio. João, no entanto, exigia prazo a fim de atender. Acontece, porém,
que a provação não conseguira esperar.
Um
incêndio de grandes proporções no madeiramento da pequena moradia lavrara,
noite alta, obrigando-o a largar o corpo sufocado sem remissão.
O
dinheiro a que se referira, com tanto carinho, decerto jazeria ali,
inteiramente queimado, porque metal não havia.
De
interessante nos escombros, apenas a carta que nos pareceu um recado precioso,
lançado pelo livro da vida, sobre um monte de pó.
Livro Estante da Vida – Pelo Espírito “Irmão X” - Psicografia
Francisco C. Xavier
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