domingo, 9 de setembro de 2012

"Ao ver a Terra do espaço....

“Ao ver a Terra do espaço, não há como duvidar da existência de algo maior que nós’
Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro, participou, em novembro, em São Paulo (SP), do 3º Encontro Espírita da Família, que teve por tema Respeito às Diferenças. Organizado pela União das Sociedades Espíritas (USE) Centro, Liga Espírita do Estado de São Paulo, Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e Aliança Regional Centro, o evento teve a coordenação de Marília de Castro, também coordenadora do Comitê Estadual São Paulo da Campanha Brasil a Favor da Vida – Contra o Aborto.

Em sua palestra, Pontes contou como aconteceu sua seleção para que se tornasse astronauta, todo o trabalho, o treinamento e sua viagem ao espaço. Mas, seu principal enfoque foi o respeito às diferenças. De religião católica, Pontes contou que, no espaço, Jeffrey Williams, astronauta americano de religião protestante, e Pavel Vinogradov, cosmonauta russo de religião católica ortodoxa, compartilharam uma foto de Jesus, levada por Pontes, uma cruz ortodoxa, levada por Pavel, e a Bíblia, levada por Jeffrey. Para ele, independentemente da religião, devemos saber conviver com as diferenças, respeitar uns aos outros e, acima de tudo, a criatura que construiu todo nosso planeta e o universo. Em entrevista à Folha Espírita, ele disse, entre outras coisas, que “ao ver a Terra do espaço, não há como duvidar da existência de algo muito maior que nós”.

Folha Espírita – Você é espírita?
Marcos Pontes – Não, sou católico. Mas a minha mãe era espírita e, logo depois que eu nasci, fui conhecer primeiro o centro espírita. Depois fui batizado na Igreja Católica.

FE – Qual a importância que a religião teve e tem na sua vida?
Pontes – Acredito muito na religião como uma coisa que inspira. Acho que ela é uma coisa que você não precisa mostrar para as outras pessoas, mas, sim, para você mesmo. É algo que fica dentro de você, que direciona, principalmente nos momentos difíceis da vida. Nos momentos fáceis, parece que você vai indo, como na linguagem do aviador “sem motor”. Não tem problema. Mas na hora que você precisa “dar motor” para subir, para corrigir alguma coisa, você precisa “ter um norte”, uma direção para ir. Então, acho que aí é que entra a religião.

FE – A visão da Terra lá do espaço mudou alguma coisa no seu conceito de mundo, de religião, os seus valores?
Pontes
– Sem dúvida. Acho que isso muda em todas as pessoas que vêem a Terra do seu lado de fora. É uma conseqüência natural, porque você vê este planeta e tem a consciência exata do seu tamanho perante o planeta. E também toma consciência do seu tamanho, mais reduzido ainda, perante o universo. Você não vê diferenças no planeta. O planeta é um só, uma coisa viva, que nos sustenta. O seu conceito de individualidade dá lugar a um conceito de coletividade. Você passa a pensar assim: “Eu faço parte de uma coisa muito maior.” Então, quando você se sente pequenininho diante do planeta, diante o universo, o fato de ser parte de uma coisa muito maior o consola. Você é parte deste universo. E como parte do universo você não é pequeno, você é do tamanho do universo também. Essa idéia, esse conceito, dá, no final das contas, uma felicidade muito grande, e quando você volta de lá, volta pensando não em coisas mesquinhas, coisas pequenas, coisas que você pode resolver, briguinhas que você resolve, ou não resolve, porque essas coisinhas não vão fazer diferença.

FE – O que importa na volta do espaço?
Pontes
– O que importa é daqui a 100 anos. Você começa a pensar o que pode fazer hoje de bom para que daqui a 100 anos as pessoas tenham alguma coisa boa a partir das suas idéias. Porque as idéias são as únicas coisas que ficam. Você dura, no máximo, se viver muito, uns 100 anos. Depois disso ficam só as idéias. Se você deixou idéias ruins, coisas ruins, isso é o que vai ficar de você depois. Se você deixou coisas boas, deixou idéias boas, isso vai ser o que você é para as pessoas. Se você não tem certeza que Deus existe, quando você olha este universo todo, da maneira como as coisas são organizadas, você passa a ter certeza que faz parte disso. Outra coisa é a noção de paz. Nosso planeta tem várias cores. Todo mundo fala que a Terra é azul, né? Pois ela tem várias cores diferentes. Todas elas se misturam. E a beleza que ela tem é justamente dessa mistura de cores. Imagine se ela fosse só azul, exatamente azul. Monótono, né? Não teria graça, não seria tão bonita! É exatamente o que acontece com as pessoas. O que faz a coisa boa é que as pessoas são diferentes. É essa mistura toda que dá uma coisa tão bonita.

FE – Você vem de uma família que tem diferenças religiosas. Como foi o seu desenvolvimento com essas diferenças?
Pontes
– Perfeitamente harmônico. Eu acho que religião nunca poderia ser usada como elemento de discriminação ou de diferenciação entre povos, entre pessoas e até mesmo entre a própria família. Acho que todas as religiões têm um ponto em comum que é o bem que as pessoas fazem. Não vejo nenhuma religião com o caráter essencialmente intrínseco de maldade, uma coisa ruim. O que acontece muitas vezes é que as pessoas fazem um estereótipo, ou fazem algum tipo de idéia de religião. Você fala no muçulmano e as pessoas já pensam em alguém que explode coisas. Não. Não é isso de jeito nenhum. A religião muçulmana tem muita coisa bonita. O Alcorão tem muitas lições. E se você for ver, de uma maneira estranha, que eu não sei explicar o quanto, a Bíblia, o Alcorão, o Evangelho Segundo o Espiritismo, o Livro dos Budistas, todos eles têm uma conexão, pregam que existe um ser maior que coordena tudo. As coisas que saem a partir desses livros são coisas boas, que dão direção correta na vida das pessoas. As interpretações é que são, muitas vezes, erradas. A culpa da interpretação não é das religiões, e sim das pessoas, que as interpretam para o seu bem ou para o mal. Na minha família, tínhamos diferenças, mas uma completa harmonia em atitude. As coisas sempre andaram muito bem.

FE – Como foi a convivência no espaço com os outros dois cosmonautas?
Pontes
– Nós conversávamos muito sobre tudo. Uma tripulação tem de ser muito coesa. Se você for ver bem, são três pessoas em uma situação na qual um depende do outro. Literalmente, dependiam as nossas vidas. Se o Jeffrey errasse, eu morreria. Se eu errasse, o Jeffrey e o Pavel também morreriam. Você tem de confiar muito na outra pessoa. Era como se fôssemos três irmãos o tempo todo. O mais interessante: éramos três religiões distintas. Eu, católico. O Jeffrey, protestante. E o Pavel, católico ortodoxo. Três religiões diferentes, mas, naqueles instantes, o que a gente quer é só o bem dos três. A estação espacial tem esse contexto. São 16 países diferentes participando de um trabalho para a humanidade.

FE – Quais os planos para o futuro?
Pontes
– Tenho muitos planos. Vivo com planos na cabeça e corro atrás de realizá-los. Atualmente, depois do vôo, continuo no Programa da Estação Espacial Internacional, coordenado pela Agência Espacial Brasileira. Faço a minha parte, assessorando a agência em alguns contatos com a NASA. Assessoro também o Senai e a Fiesp em São Paulo, que fabricam os protótipos das peças brasileiras. Atualmente, estou começando num projeto VLS (veículo lançador de satélite) lá em São José dos Campos (SP). Tenho trabalhado também na área de coordenação de cooperações. É uma atribuição que o Comando da Aeronáutica me deu quando me passou para a reserva. Essa passagem para a reserva foi pensada pelo Comando da Aeronáutica. Se eu ficasse dentro da ativa, ficaria sempre restrito aos regulamentos militares. Então, o comandante preferiu ter um astronauta que represente o Comando da Aeronáutica, o Brasil, as indústrias e tudo o mais para ajustar esse cenário de pesquisas, desenvolvimento e produção de tecnologia. Atualmente, minha atribuição é aproximar esses dois setores e conseguir, com isso, ter mais produtos, mais rapidez, não ter atrasos. E, para isso, preciso conversar com políticos, com as indústrias, no exterior.

FE – Você também desenvolve trabalhos na área social, certo?
Pontes
– Sim. Na área social tem um monte de coisas. Temos o Projeto Realizar, que tem a idéia de motivar jovens do Brasil inteiro para as carreiras de Ciência e Tecnologia e também para motivar para a vida mesmo. Em novembro, completamos 650 palestras para jovens. E é muito importante, porque você vê em vários lugares as crianças e adolescentes desanimados porque não têm recursos financeiros, não têm dinheiro e acham que nunca vão conseguir chegar a lugar algum. A própria sociedade impõe limites para esses jovens. E, na verdade, eles não têm limitações. Com a palestra, vou quebrando todas essas restrições. O meu trabalho, muitas vezes, é vir com uma marreta e quebrar todas essas limitações. É falar “olha, você está livre, agora você vai para onde você quiser. Se você estudar, vai ter um caminho muito bom pela frente. E você pode ser o que quiser”.

Entrevista: Marcos Pontes, o astronauta brasileiro
Fabiana Ganci
Publicado na Folha Espírita - dezembro/2006

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