quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Compromisso não cumprido


"Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça." - Jesus. (MATEUS, 6:33.)
Dona Flausina quase poderia considerar-se uma mulher realizada e feliz: espírita consciente, participante de obras assistenciais, três filhos íntegros e carinhosos, oito netos adoráveis, idéias lúcidas, saúde razoável, situação financeira estável... O único problema era a "cruz" que carregava no lar: seu marido.
Existia, latente, um profundo desentendimento entre eles, que eclodia, vezes inúmeras, em atritos e discussões acaloradas que, não raro, desciam ao nível da agressividade.
Não que fosse má pessoa. Era homem até generoso, bom pai, caseiro, sem vícios, mas gênio difícil, um tanto impertinente, "qualidades" que, para Dona Flausina, pareciam desenvolver-se na medida em que ele envelhecia.
- Só o Espiritismo me dá forças para "agüentar" o Gumercindo - proclamava, enfática. - Quero estar com ele até o fim, cumprindo meu compromisso. Então estarei livre! Junto, nunca mais! Assim foi até seu desencarne, após 48 anos de convivência difícil. De retorno à Espiritualidade, já integrada na Vida Maior, Dona Flausina analisava, com generoso mentor, seus sucessos na vida física.
- Minha filha - dizia-lhe, gentil - você levou existência proveitosa, foi diligente mãe de família, batalhadora das lides espíritas, servidora da Caridade... Traz bela bagagem de realizações...
Mas tem um problema grave, um compromisso não cumprido: seu marido.
- Como? - interrogou a senhora com estranheza - Não fui fiel aos deveres matrimoniais? Não suportei, estoicamente, durante quase meio século?! - Esse é o seu problema: você o suportou apenas! No entanto, seu compromisso era bem diferente. Deveria harmonizar-se com ele, superando antigas mágoas remanescentes de convivência anterior.
Adotando a postura de quem carregava pesada cruz, você anulou qualquer possibilidade de aproximar-se dele, ajudando-o a superar suas idiossincrasias com a força da amizade. Faltou-lhe, minha filha, o exercício da caridade que silencia, que perdoa, que não guarda ressentimentos, que supera desavenças. E ele precisa muito de sua compreensão. É uma alma perturbada e neurótica, não obstante suas virtudes. Como você de certa forma contribuiu para que seja assim, em face de influências negativas que exerceu sobre seu Espírito, no pretório, não vejo outra solução para o problema senão uma nova união entre vocês, em existência futura, repetindo as lições do matrimônio, até que aprendam a conviver pacificamente.
* * *
Após o encantamento do início, fatalmente surgem as dificuldades de relacionamento na vida conjugal. Somos, na Terra, aprendizes insipientes na arte de conviver. No entanto, aqueles que atravessam o casamento a "ranger os dentes", como se submetidos a intolerável prisão, forçosamente reencontrarão o cônjuge em novas experiências matrimoniais, presos um ao outro por algemas de ressentimentos, mágoa, aversão...
Somente quando formados por flores de amizade os elos do casamento, desfrutarão os cônjuges a liberdade de decidir se seguirão juntos nos caminhos do porvir.
Atravessando a Rua - Richard Simonetti

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