"Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça." -
Jesus. (MATEUS, 6:33.)
Dona Flausina quase
poderia considerar-se uma mulher realizada e feliz: espírita consciente,
participante de obras assistenciais, três filhos íntegros e carinhosos, oito
netos adoráveis, idéias lúcidas, saúde razoável, situação financeira estável...
O único problema era a "cruz" que carregava no lar: seu marido.
Existia, latente, um
profundo desentendimento entre eles, que eclodia, vezes inúmeras, em atritos e
discussões acaloradas que, não raro, desciam ao nível da agressividade.
Não que fosse má pessoa.
Era homem até generoso, bom pai, caseiro, sem vícios, mas gênio difícil, um
tanto impertinente, "qualidades" que, para Dona Flausina, pareciam
desenvolver-se na medida em que ele envelhecia.
- Só o Espiritismo me dá
forças para "agüentar" o Gumercindo - proclamava, enfática. - Quero
estar com ele até o fim, cumprindo meu compromisso. Então estarei livre! Junto,
nunca mais! Assim foi até seu desencarne, após 48 anos de convivência difícil.
De retorno à Espiritualidade, já integrada na Vida Maior, Dona Flausina
analisava, com generoso mentor, seus sucessos na vida física.
- Minha filha -
dizia-lhe, gentil - você levou existência proveitosa, foi diligente mãe de
família, batalhadora das lides espíritas, servidora da Caridade... Traz bela
bagagem de realizações...
Mas tem um problema
grave, um compromisso não cumprido: seu marido.
- Como? - interrogou a
senhora com estranheza - Não fui fiel aos deveres matrimoniais? Não suportei,
estoicamente, durante quase meio século?! - Esse é o seu problema: você o
suportou apenas! No entanto, seu compromisso era bem diferente. Deveria
harmonizar-se com ele, superando antigas mágoas remanescentes de convivência
anterior.
Adotando a postura de
quem carregava pesada cruz, você anulou qualquer possibilidade de aproximar-se
dele, ajudando-o a superar suas idiossincrasias com a força da amizade.
Faltou-lhe, minha filha, o exercício da caridade que silencia, que perdoa, que
não guarda ressentimentos, que supera desavenças. E ele precisa muito de sua
compreensão. É uma alma perturbada e neurótica, não obstante suas virtudes.
Como você de certa forma contribuiu para que seja assim, em face de influências
negativas que exerceu sobre seu Espírito, no pretório, não vejo outra solução
para o problema senão uma nova união entre vocês, em existência futura,
repetindo as lições do matrimônio, até que aprendam a conviver pacificamente.
* * *
Após o encantamento do
início, fatalmente surgem as dificuldades de relacionamento na vida conjugal.
Somos, na Terra, aprendizes insipientes na arte de conviver. No entanto,
aqueles que atravessam o casamento a "ranger os dentes", como se
submetidos a intolerável prisão, forçosamente reencontrarão o cônjuge em novas
experiências matrimoniais, presos um ao outro por algemas de ressentimentos,
mágoa, aversão...
Somente quando formados
por flores de amizade os elos do casamento, desfrutarão os cônjuges a liberdade
de decidir se seguirão juntos nos caminhos do porvir.
Atravessando a Rua - Richard Simonetti
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