Nos primeiros tempos da nova fé,
Aureliano Correia não regateava as manifestações entusiásticas.
- Sou espírita – exclamava convicto -,
pertenço às fileiras dos discípulos sinceros da Nova Revelação. Tenho a minha
tarefa a cumprir.
O rapaz vivia embriagado de júbilo.
Comparecia pontualmente às reuniões doutrinárias, comentava ardoroso, os
ensinamentos ouvidos. Expunha projetos grandiosos, relativamente ao futuro.
Instituiria núcleos de fé viva, disseminaria fundações de amor fraternal.
Afirmava, sem medo, a nova atitude e prometia realizações seguras e generosas.
Não se contentava em estabelecer
compromissos com a fé. Aureliano ia mais longe. Referia-se ao Espiritismo na
política, na filosofia, nas artes, nas ciências. Trabalharia sem cessar, dizia
ele, e criaria diretrizes novas e edificações mais sólidas para o espírito
humano.
Continuava atravessando a região do
entusiasmo fácil, quando, certa noite, no parcial desprendimento do sono, foi
conduzido à presença de um de seus orientadores espirituais.
O companheiro exultava.
A entidade amiga falou carinhosamente,
depois de abraçá-lo:
- Aureliano, que o Senhor te abençoe as
esperanças de redenção. Teu caminho cobre-se, agora de júbilos santos. Guardas,
meu amigo, a divina lâmpada no coração. A benção do Eterno Pai segue tuas
aspirações de progresso. Sê bendito e feliz, filho meu! Teu ideal de crente
fervoroso será uma roseira florida no jardim do Mestre Generoso e o perfume de
fé em teu espírito idealista.
O rapaz chorava de contentamento e
emoção.
E o sábio mentor prosseguiu calmo e
bondoso:
- Atingirás a praia sublime da paz
consoladora e, seguro na terra firme das convicções sadias, observarás,
espiritualmente, de longe, o oceano revolto do mundo, embora continues em
serviço de abnegação ativa a beneficio dos nossos irmãos encarnados, aflitos e
vacilantes, na grande jornada, através das ondas vorazes da ilusão. Receberás
consolações celestes, ao contacto dos amigos espirituais que te esperam, deste
lado da vida. Conhecerás a profunda alegria da luz eterna, no tabernáculo da
alma crente. As dificuldades da terra surgirão aos teus olhos, na qualidade de
benfeitoras. No seio das lutas mais forte, sentirão o beijo caricioso da
amizade dos Servos Glorificados de Deus, invisíveis no mundo aos olhos mortais.
Cada dia será uma taça de oportunidades benditas ao teu coração e cada noite um
parque de claridades compassivas, onde meditarás nas Dádivas Celestes, entre a
alegria e o reconhecimento. Alcançarás o bem-estar de quem encontrou o amor
universal, a compreensão de todos os seres e o respeito a todas as coisas e,
venturoso, estarás a caminho de esferas iluminadas, a distancia dos círculos
inferiores da carne, seguindo com Jesus, amparado por seu divino amor...
Enquanto a entidade fazia súbita parada,
sentia-se Aureliano o mais feliz dos homens. Seria o aprendiz superior,
discípulo dileto do Cristo. Não cabia em si de satisfação. O orientador
devotado, porém, quebrou a pausa longa e tornou a falar:
- Mas, como sabes Aureliano, não existe
concessão sem responsabilidade. Alguma coisa dará de ti mesmo, para receberes
tantas bênçãos. Para que te integres na posse definitiva de semelhante tesouro,
é necessário que abandones a caverna dos instintos inferiores e que sejas um
homem renovado em Cristo-Jesus. Não poderás perder o Mestre de vista,
procurando seguir-lhe os passos, desde a manjedoura de submissão a Deus até o cuspo
irônico povo de Jerusalém, a fim de que o encontres no Calvário, a caminho da
ressurreição. É indispensável seguir Jesus e alcança-lo, no monte do
testemunho, diante dos homens e da suprema obediência ao Eterno Pai. Serás
bafejado pelas harmonias celestes; entretanto, não te poderás esquivar aos
sacrifícios terrestres. Receberás a tranquilidade que excede a compreensão das
criaturas; todavia, para que isto se verifique, é indispensável te arrependas
do passado delituoso e creias na tua sublime oportunidade de hoje, negando-te a
alimentar o “homem velho” que ainda te domina o coração, e suportando a
luminosa cruz de teus serviços de cada dia, acompanhando Aquele que nos dirige
os destinos desde o principio. Ganharás a luz, Aureliano, mas é imprescindível
que expulses as sombras que te rodeiam. Atingirás a esfera superior; no
entanto, é preciso que te retires das zonas mais baixas dos vastos caminhos da
vida. Não temas, porém, meu filho! Jesus não desampara a boa-vontade dos
homens!
Nesse instante, Aureliano acordou muito
pálido. Aquela advertência calara-lhe fundo. Sentia-se desapontado. Estimava o
entusiasmo, as vibrações festivas, os rasgos da palavra, mas não se lembrara
ainda do campo da responsabilidade e do serviço inevitáveis. Queria uma
doutrina para se proteger, mas nunca pensara na fé que exige trabalho,
abnegação e testemunho no bem ativo. Estava, portanto, decepcionado. Aureliano,
tão expansivo nas afirmações fáceis, levantou-se da cama, profundamente amuado,
arredio, nervoso. Sua mente recuava, a passos largos, nas promessas feitas.
Mal não saíra de casa, a caminho do
centro urbano, eis que quatro companheiros humildes lhe surgem à frente,
solicitando ansiosos:
- Aureliano amigo, fundamos ontem um
núcleo modesto e contamos com você! Sentimo-nos cercados de necessidades
espirituais e precisamos cooperadores de sua envergadura. Venha hoje à noite,
não falte. Esperamos que aceite o nosso convite e que não desampare a nossa
confiança!
O interpelado, porém muito diferente da
véspera, sem qualquer disposição ao serviço sério, e positivamente em fuga ante
a idéia de responsabilidade, respondeu com secura:
- Não, meus amigos, não posso dizer que
sou espírita.
E, depois de uma pausa, ante o espanto
dos companheiros, concluiu, como muita gente:
- Tenho muita vontade de ser.
*
* *
Retirado do
livro Pontos e Contos, cap. 19, psicografia de Francisco Cândido Xavier, pelo
Espírito Irmão X (Humberto de Campos).
http://www.forumespirita.net/fe/artigos-espiritas/entusiasmo-e-responsabilidade/#ixzz2upnwityG
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